sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Notícias de Cuba

Sierra Maestra

A ilha de Cuba recebeu de Cristóvão Colombo, em 1492, um primeiro nome, Juana, em homenagem a Juana de Castilla, filha dos reis católicos, também conhecida como Juana la Loca. Mas o nome não "pegou".


Mais tarde, outro nome, Fernandinaapareceu em alguns mapas, sem maior repercussão. Santiago foi outra tentativa que não deu certo. Impôs-se o nome nativo, Cuba, derivado possivelmente de Ciba, do idioma taino (hoje extinto), com o significado de "montanha" ou "cheio de pedras", em referência à Sierra Maestra, como a conhecemos atualmente.


Outra hipótese é que, também no taino, havia as palavras Cubanacan ("lugar grande") e Cubagua ("lugar onde existe ouro"), e de uma delas teria vindo Cuba.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O obeso era magro

A palavra "obeso" vem do latim obesus, que significava "devorado", "comido", proveniente do verbo obedere ("comer demais"). Chamar alguém de obeso era dizer que estava muito magro, como se tivesse sido devorado por dentro (pela doença, por exemplo). 

Talvez tenha sido a ironia o que levou a palavra a significar o seu contrário. Nesta hipótese, a prática brincalhona de chamar o magro, isto é, o obeso, de gordo ("e aí, você está gordinho, hein?") levou a essa mudança de sentido. Estaríamos diante de um exemplo típico do que dizia Goethe: "toda palavra desperta o seu antônimo".

O processo em que o termo "obeso" passa a indicar quem tem obesidade pode ser comparado ao de outras palavras: "viajado", em lugar de "viajante", é quem viajou muito; "lido", em lugar de "leitor", é aquele que já leu muito.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Dando um tempo

Perguntaram-me recentemente a origem da palavra "tempo", e pedi um tempo para poder responder...

A palavra vem do latim tempus, que por sua vez deriva do grego témno, "cortar em pedaços", "dividir". Daí, por exemplo, a palavra "tomo" ("divisão editorial de uma obra") e "átomo" ("aquilo que não pode ser cortado", "indivisível").

O tempo é um corte. Por isso pensamos em minutos, horas, dias, meses e anos, "pedaços" de um fluxo que não cessa. São cortes com os quais procuramos nos posicionar e não perder tempo. Todo tempo é uma época, um período, um momento.

O temporal assim se chama porque dura apenas um tempo. E o templo (templum, em latim) é diminutivo de tempustempo: um pequeno espaço que "cortamos" para dedicar ao sagrado. E por isso damos um pouco do nosso tempo para o divino (que existe para além do tempo), ao entrarmos em algum templo.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

O plebiscito e a plebe

Afirma-se com frequência que a expressão "plebiscito popular" é um pleonasmo. Em parte. Todo plebiscito é popular por ser a manifestação da opinião do povo...


No entanto, a etimologia nos lembra que plebs, em latim, se referia a uma parcela do povo (populus). O povo também incluía a classe nobre da antiga Roma. De qualquer forma, é verdade que, por serem os plebeus em maior número, a palavra plebs acabava "engolindo" a noção de povo. No uso comum, ainda hoje a palavra "plebe" é associada à classe social mais baixa da população.

Plebiscito vem da conjunção de plebs e scitum ("decreto"). A consulta popular resulta num decreto popular. Na Idade Média, uma versão especificava que o plebiscito referia-se a algo que o "povo sabe", em latim: plebs scit.

sábado, 15 de junho de 2013

Viajando como sardinha em lata

Os ônibus, os trens e os metrôs vivem lotados, e os passageiros se sentem dentro deles como numa lata de sardinhas. Nessas condições, espremidas, as sardinhas não se queixam. Mas nós devemos, sim, sair do aperto e reclamar nas ruas, quando, além de tudo, aumentam o preço desse desconforto. E há outros motivos e apertos embutidos nos protestos!



A palavra sardinha está, à primeira vista, associada à ilha da Sardenha. O escritor francês Alexandre Dumas, por exemplo, não hesitava em afirmar que por ser abundante nos mares da Sardenha, este peixe recebeu daí o seu nome. Centenas de autores dizem o mesmo.

No entanto, há divergências a respeito. Havia no latim o termo sarda, que incluiria diferentes peixes, entre eles a sardinha.

terça-feira, 9 de abril de 2013

O tomate não tem preço

O tomate é contribuição da América pré-colombiana. A palavra vem do náuatle (idioma dos astecas) xitomatl, que significava "tomatl grande, inchado". Xitomatl e tomatl, na verdade, eram dois frutos diferentes. O segundo era pequeno e verde, e o primeiro, maior e de cor vermelha. Mas ambos entravam na categoria de tomatl ("fruta suculenta"), que incluía outros frutos.

Quando por aqui chegaram, no século XVI, os espanhóis chamaram os dois tipos com a mesma palavra tomate, difundindo o termo e o alimento pelo mundo afora. No início, porém, os europeus usavam o tomate mais para ornamentar seus jardins do que para incrementar seus pratos. Havia também botânicos e médicos que investigavam suas propriedades curativas.

Nos países de fala inglesa, a resistência ao tomate como item da culinária foi ainda maior. Até o século XIX dizia-se, nos Estados Unidos, que era venenoso. Talvez a prática de jogar tomates em artistas como forma de reprovação tenha nascido dessa crença equivocada. 

Devemos à Itália a redescoberta do tomate como alimento, novas formas de cultivá-lo, condicioná-lo, e seu retorno à América, quando grande número de imigrantes italianos veio para cá a partir do final do século XIX. Mas já o tomate ganhara entre eles outro nome, pomodoro, proveniente da expressão pomo d'amore, isto é, "fruta do amor", em virtude de supostas qualidades afrodisíacas.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Depois da cambalhota

A cambalhota tem um antes, um durante e um depois. Instabilidade, primeiro. No meio do processo, surpresa. De pé outra vez, novo modo de caminhar. O corpo realiza uma revolução: os pés por cima da cabeça para retomar o chão em renovado ímpeto.

"Cambalhota", escultura
em bronze de P. Koshland.
A palavra remete ao latim cambiare, "trocar", "alternar", "transformar". 
A cabeça troca de lugar com os pés, operando uma mudança de visão. Há registros do termo cambalhota em textos desde o século XVIII, mas cambalhotas sempre aconteceram e mudaram rumos pessoais e coletivos.

domingo, 10 de março de 2013

O papa e a fumaça

É muito provável que, nesta semana, conheçamos o novo sumo pontífice da Igreja católica. Os cardeais, reunidos, nos dirão quem será o sucessor de Bento XVI.

Os papéis da votação serão queimados e pela chaminé de quase dois metros instalada na Capela Sistina sairá, ou uma fumaça branca, quando o papa for escolhido, ou uma fumaça negra, em caso contrário.
Fumaça é vapor que exala de um corpo em chamas. Este sufixo -aça indica aumentativo. Trata-se, portanto, de um vapor que chama a atenção.

Remete ao latim fumus. Que, retrocedendo ao sânscrito, desvela um significado ligado à vida: dhumah traz a noção de vapor, mas também de respiração. (Quando faz muito frio, soltamos fumaça pela boca, não é?)

Em latim, fumarium era "chaminé". E onde há fumaça branca... há papa.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Entre meteoritos, asteroides e cometas

O céu manda recados: um meteorito ali... um asteroide passando por lá...

São considerados meteoros os fenômenos da atmosfera terrestre: vento, chuva, trovão, arco-íris, neve etc. Coisas para a meteorologia observar. Um meteorito é o fragmento de um meteoroide. Vemos aqui a presença do termo grego meteoros: "o elevado acima de nós".

Um asteroide é o que tem a forma (o sufixo "oide" vem do grego eidos) de uma estrela (em grego, aster).

E o que asteroides e meteoroides têm a ver com os cometas? Os cometas são corpos de fraca luminosidade que giram em torno do sol. Sua cauda luminosa parece uma cabeleira comprida, e é provocada pela radiação e pelos ventos solares. A palavra vem do grego cometes, "cabeludo".

Um asteroide pode ser, entre outras possibilidades, um cometa "cansado da vida", depois de ter esgotado seus componentes voláteis.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

As raízes do sofrimento

Dizia o escritor francês Léon Bloy que "sofrer passa, mas ter sofrido não passa jamais". Diante das tragédias que o teatro do mundo oferece, ou dos dramas que ocorrem na minha vida, na sua, na vida das pessoas mais próximas, sofrer passa... mas nunca nos libertamos totalmente do sofrimento.

Em que medida a etimologia nos ajuda a entender essa realidade universal no tempo e no espaço?

Supõe-se que existia no latim vulgar a expressão *sufferere, que derivou do latim clássico sufferre, formado de sub- ("sob", "embaixo") e ferre ("levar", "conduzir"). O sofredor sente a dor sobre si. A ideia de estar sob a cruz, levando-a, é imagem recorrente: cada um tem de carregar sua própria cruz.
Estar submetido ao sofrimento é sentir-se por baixo, empurrado para o chão. É nestas horas incertas que valorizamos a presença dos que nos amam, e não temem se colocar sob a mesma dor, para nos ajudar a caminhar.

Ter sofrido é não esquecer a tristeza e a dor, mesmo quando já se diluíram no passado. Porque ainda carregamos a lembrança da dor, podemos ser solidários com quem está sobrecarregado.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Fique quieto, bicho-carpinteiro!

Foi com surpresa que ouvi um intelectual brasileiro afirmar, em um popular programa de tv, que a frase "estar com bicho-carpinteiro" ou "ter bicho-carpinteiro" seria proveniente de uma outra: "estar com ou ter bicho no corpo inteiro".
A pessoa irrequieta, que não consegue ficar parada por muito tempo, teria algum bicho dentro de si. Que bicho seria esse, não se sabe. Talvez uma lombriga que deixaria a criança agitada, pulando para lá e para cá?

No entanto, a expressão correta é esta mesma: a pessoa tem bicho-carpinteiro. Este escaravelho, em seu estágio larvar, corrói troncos e cascas de árvores com incrível persistência. Esse comportamento faz lembrar alguém que não sossega.

Reinaldo Pimenta, no primeiro volume de A casa da Mãe Joana (Editora Campus), afirma que a pessoa agitada pareceria alguém que "estivesse sendo roída por dentro por esse inseto". Mas então as árvores ficariam agitadas se houvesse dentro delas algum bicho-carpinteiro. Não é o caso.

A palavra bicho veio do latim vulgar *bestiu, que se refere à bestia do latim clássico, isto é, "animal". E carpinteiro remete ao latim tardio carpentarius artifex, o fabricante de um veículo de duas rodas, puxado por cavalos, o carpentum, em geral para uso de mulheres.

sábado, 8 de setembro de 2012

Etimologia encrenqueira

Às vezes, diante de certas hipóteses etimológicas, convém dizer que a origem é obscura, que os estudiosos ainda não chegaram a um acordo... Ou então pode dar encrenca!

Esta palavra, por exemplo, é atribuída pela jornalista canadense Isabel Vincent no livro Bertha, Sophia e Rachel: a sociedade da verdade e o tráfico das polacas nas Américas (Editora Relume Dumará, 2006) a um dizer em iídiche, “ein krenk” (“um doente”), que as prostitutas judias sussurravam entre si quando aparecia na zona um cliente suspeito de ter alguma doença venérea.

Para Márcio Cotrim, no seu livro O pulo do gato 2, quando alguma prostituta polonesa da zona do meretrício carioca estava com um cancro (doença venérea) alertava possíveis fregueses com a seguinte frase: "Ich habe ein Kranke", isto é, "Eu tenho um cancro".

O escritor e acadêmico Raimundo Magalhães Júnior, em seu Dicionário brasileiro de provérbios, locuções e ditos curiosos, afirma que "encrenca" veio da Argentina, uma gíria por sua vez proveniente do catalão enclenque ("deitado", "acamado por doença", "sem forças"). Etimólogos espanhóis ensinam que enclenque terá vindo de um distante cranc (provençal), significando "coxo" e "impotente".

Ao chegar em terras sul-americanas, enclenque arrumou alguma encrenca e assumiu os significados variados de "situação confusa", "dificuldade", "tumulto" ou "intriga".

Há ainda uma outra conjectura, defendida por Mansur Guérios em seu Dicionário de etimologias da língua portuguesa. Escreve ele: "Mais razoável é admitir um verbo hipotético no português *crencar (e daí com prefixo encrencar), continuador de um latim *clinicare que se basearia em clinicus, 'doente acamado'."

domingo, 2 de setembro de 2012

Uma questão de fé

Pelo formspring recebo uma pergunta sobre a origem da palavra "".

Podemos falar em  no sentido religioso, ou no sentido de confiança humana, quando dizemos que alguém é fidedigno, digno de (da expressão latina fide dignus).

Neste segundo sentido, uma pessoa falsa, que atua de má-, pratica a perfídia, palavra esta que provém de per fidem decipere: "abusar da confiança de alguém para enganar".


Já a virtude teologal da , segundo o pensamento cristão, é um ato de confiança sobrenatural em Deus, ou o próprio conteúdo em que se acredita, e daí a expressão "depósito da ". Do ponto de vista dos antigos romanos, fides não tinha, obviamente, esse valor transcendental, acrescentado pelos cristãos.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Filho de coruja não tem pai?

O povo diz que "filho de coruja não tem pai", ou "coruja não tem pai". O pai tem vergonha de filho tão feio. Mas talvez no Dia dos Pais ele se arrependa e volte para o ninho!

No início deste blog, em 2010, postei algumas considerações sobre a mãe etimológica; agora é o momento de falar brevemente sobre a palavra "pai".

Presume-se que a criança pequena associa o som "pa" à presença do pai, em contraste com o "ma" (macio...) de sua mãe. Se a mãe está associada ao alimento que vem no mamilo (o leite), também o pai é visto como quem traz alimento ("papá" é comida, e em Portugal é o modo como se fala "papai"). Um alimento talvez mais sólido.

Os etimólogos lembram que a raiz "pá" do sânscrito, vinculada às ações de "alimentar", "dar comida" e "proteger", encontra-se na origem dessa história.

domingo, 22 de julho de 2012

Lutar com palavras

Leandro Paiva, leitor deste blog, escreveu: "Dedico boa parte do meu tempo à pesquisa sobre aspectos biológicos e culturais sobre lutas, tendo, inclusive, escrito um livro sobre o assunto. Estou em busca da etimologia, dentro do meu segmento, das palavras "lutas", "artes marciais" e "modalidades esportivas de combate". Poderia, por obséquio, me ajudar? Formalmente o citarei como referência. Atenciosamente, Leandro."


Caro Leandro, espero que a etimologia o ajude nessa luta com as palavras. 


Vejamos primeiramente "luta". Do latim, lucta tornou-se luita em português antigo e depois "luta". Significa "combate", "esforço", "empenho". A luta pode ser entre dois exércitos, duas pessoas, ou da pessoa consigo mesma para atingir algum objetivo.


Quando falamos em artes "marciais", estamos nos referindo ao deus Marte, o deus da guerra para os romanos. Tais artes estão relacionadas, portanto, ao espírito combativo e corajoso.


"Combater", em latim combattuere, nasceu da combinação de com e battuere. Lutar contra alguém é opor-se, bater-se com alguém, combater. A palavra latina battuere, além de "bater", tinha um significado no campo sexual: "ter relações com uma mulher". Isso explicaria o fato de "espada" e "trabuco", armas de combate, serem usados como sinônimos de pênis.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Ah, moleque!

Pelo Facebook, Hugo Périssé me pergunta: "Gabriel, gostaria de saber a etimologia da palavra 'moleque'."


Meu caro Hugo, a palavra vem do quimbundo (língua falada em Angola) muleke, "garoto", "filho". Sobrepôs-se a "curumim", de origem indígena, com o mesmo sentido de "menino".


A palavra "moleque", no Brasil, ficou inicialmente associada ao filho do escravo, ao negrinho, e depois ao menino solto, malcriado, travesso. O preconceito promoveu a conotação pejorativa da palavra (com especial força nas discussões entre políticos), designando o adulto irresponsável, vagabundo, ordinário, canalha etc.


Curiosamente, "moleque", no português moçambicano, não significa "criança" nem "rapazote", mas "empregado doméstico" ou "lacaio".

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O ser da seriedade

Uma especulação etimológica intencionalmente brincalhona poderia sugerir uma relação entre o verbo "ser" e as palavras "seriedade" e "sério". De fato, a pessoa séria quer ser alguém, quer ser respeitada, tem densidade psicológica, ética e ontológica...


Fala sério! Tudo isso é brincadeira! Porque o adjetivo em questão vem do latim serius, "sério", "grave", "importante". Uma pessoa séria é alguém cuja palavra tem importância e peso. A seriedade está relacionada com a sisudez e com a gravidade, e com a consciência clara do que é honrado.


Um profissional sério cumpre seus deveres, pondera antes de agir, reflete antes de falar, é confiável. Roupas sérias são sóbrias, recatadas. Um problema sério merece especial atenção.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Uma rima não é boa pista etimológica

Circulam na web etimologias fantasiosas que nos fazem pensar (e divulgar!) que a palavra "aluno" tem a ver com "falta de luz", ou que "religião" remete à ideia de religação entre a terra e o céu. Semelhanças fonéticas não garantem verdades etimológicas.

Já li em mais de um lugar virtual que "mágoa" provém de "má água", uma água nociva, podre. Guardar mágoa seria reter na memória sentimentos que envenenam por dentro. Não quero magoar ninguém com esta postagem, mas apesar da sugestiva rima "água-mágoa" (que Chico Buarque canta em Gota d'água)... a conclusão etimológica é absolutamente falsa!

A palavra "mágoa" vem do latim macula, e inicialmente tinha o mesmo sentido da antiga palavra: "mancha", "nódoa", "erro", "defeito". No contexto cristão, significava "pecado": um bom cristão deve apresentar-se sem mágoa diante do tribunal de Deus...

"Mácula", com a mesma origem, contém esses mesmos significados ligados a impureza e desonra. (Basta lembrar que Maria Imaculada é aquela que jamais pecou pois nasceu sem mácula alguma.) O curioso é que "mágoa" foi mais além, e passou a designar também "desgosto", "tristeza", "amargura".

Uma pessoa magoada é aquela que sofre as consequências dos erros dos outros, das ofensas que outros lhe fizeram, dos equívocos alheios, das máculas produzidas pelo comportamento grosseiro de alguém.

sábado, 30 de junho de 2012

Coincidências e incoincidências


Semelhanças entre palavras não significam necessariamente origem etimológica comum. "Gregário" nada tem a ver com "grego" e "biscoito" não se refere a um "coito" duplo. Trata-se de coincidências incoincidentes...


Mas nem sempre é assim...


Outro dia, por exemplo, perguntaram-me se haveria alguma base etimológica que reunisse  "medicar" e "meditar". Quem medita de certo modo se medica? Para medicar é preciso meditar?


"Talvez haja alguma relação no que poderia ser mera coincidência", respondi. E fui pesquisar.


Existia no imaginário dos antigos romanos uma deusa das curas, Meditrina, em cuja festa (no dia 11 de outubro) tomava-se uma mistura de vinho novo e velho, dizendo-se as seguintes palavras: "vetus novum vinum bibo, veteri novo morbo medeor" — "bebo vinho novo-velho e de velhas-novas doenças estou curado".


O verbo medere ("curar") está ligado ao adjetivo medicus, que remete por sua vez à arte da medicina (com destaque para as intervenções cirúrgicas) e à arte de curar pela magia. A poção é medicamento ou algum preparado mágico. Medicar tem essa dupla face.


Haverá algum ponto de contato, uma coincidência semântica entre "meditar" e "medicar"?


Meditar (meditari em latim) é uma concentração cuidadosa do pensamento, um refletir profundo, um exercício interior. É tradução do verbo grego medomai. O curioso é que este verbo grego e o verbo latino medere provêm da mesma raiz indo-europeia *med-, vinculada a muitos e variados sentidos: "curar", "medir", "pensar", "governar", "considerar"...


Numa visão integradora de todas as dimensões humanas, a doença é a perda de equilíbrio da pessoa, que se compõe de corpo e espírito. Meditar é medicar-se na medida em que a busca da verdade nos faz retomar o caminho da vida saudável.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Lavoura dá trabalho!

Uma vez mais pelo formspring chegou-me uma pergunta etimológica. O leitor quer saber a origem e formação da palavra "lavoura".

A palavra remete ao latim labor ("trabalho", "esforço" e... "sofrimento"), que se transformou em *laboria no latim vulgar.

Trabalhar na lavoura, portanto, é atividade redundante. Todo esse esforço para preparar a terra, cultivá-la, pode ser visto como o trabalho humano por excelência. Laboriosus no antigo latim designava o sujeito que trabalhava muito. E, no antigo francês, laborer tinha, entre outros significados, os de "trabalhar" e "enfrentar dificuldades".