Em Mas será o Benedito? (Globo, 1996), Mário Prata diz que pairam dúvidas sobre a origem da expressão "cuspido e escarrado", significando que duas pessoas têm feições muito parecidas. Refere-se o autor a duas versões. Ou seria corruptela de "esculpido e encarnado", ou de "esculpido em (mármore de) Carrara".
Já Reinaldo Pimenta, no primeiro volume de A casa da mãe Joana (Campus, 2002), não menciona Carrara e afirma que a expressão original é "esculpido e encarnado". A frase (exemplo mais citado) "o filho saiu ao pai, esculpido e encarnado" nada tem a ver com mármore ou cuspe.
No Dicionário UNESP do português contemporâneo (2004), cujo prestigioso organizador é Francisco S. Borba, explica-se que "cuspido e escarrado", equivalente a "idêntico", "exatamente igual", nasceu de "esculpido e encarnado". De Carrara nem sombra.
Na fala popular trocadilhesca, os conceitos mais elaborados (esculpir e encarnar) são substituídos pela ação que indica desprezo (cuspir e escarrar). Esta reação brincalhona é bem típica.
8 comentários:
GABRIEL,
se você ler o pequeno prefácio do meu livro, vai ver que todas as explicações foram inventadas por mim. Não há nada de verdade no livro todo. aliás, é a única graça, o inventar.
abraços e parabéns pelo site.
MARIO PRATA
mac.prata@terra.com.br
Prezado Mario Prata, a palavra "inventar", em suas raízes, significa "descobrir". Os limites entre uma coisa e outra são frágeis. O que você descobriu/inventou é mais real do que a gente imagina!
Abraços e obrigado pela visita!
Gabriel Perissé
Prof. Gabriel, o dicionário Houaiss registra a locução "cuspido e escarrado", a partir do verbete "cuspido". Não encontrei o registro de "esculpido e encarnado".
No artigo "Mitos virtuais" (Revista Língua, Nº59, pp 20-22), José Augusto Carvalho registra uma lição de Duarte Nunes de Lião (séc.XVI): "cuspido e escarrado" veio do francês, em que CRACHER (escarrar) também é "identidade", daí CRACHAT (escarro),que originou "crachá". Em inglês, SPIT (cuspo) é usado como identificação.
Publiquei neste blog algumas considerações sobre o crachá - http://palavraseorigens.blogspot.com/2010/06/cara-e-cracha.html
Quando Houaiss se refere a "cuspido e escarrado" avisa que é expressão de uso informal. Não lhe assegura a origem. O fato de não mencionar o "esculpido e escarrado" talvez reforce a ideia de que o "cuspido" popular venceu o "esculpido". Talvez...
Do mesmo autor que você cita, José A. Carvalho, eis o ensaio publicado na web - http://recantodasletras.uol.com.br/ensaios/169816
Se o ato de cuspir é criativo, esculpir também é, com mais razão. Por outro lado, parece fazer mais sentido que o filho tenha sido "esculpido" a partir do modelo paterno.
No caso de "encarnado", o filho seria a personificação, a expressão do pai. Como quando dizemos que alguém encarna uma ideia, um modelo.
Talvez José Carvalho tenha supervalorizado a simbologia e deixado a filologia em segundo plano. Talvez...
Este blog está cada vez melhor...
Não sei se vou dizer alguma novidade, mas, a expressão esculpido e encarnado tem relação com a técnica artística que se utilizava no início do século XIX.
Segundo o professor de história da arte e especialista em arte barroca Elmer Corrêa Barbosa, que lecionou durante 40 anos na PUC, era um período pós-barroco, em que os artistas buscavam uma aproximação das imagens religiosas da figura humana, através de uma técnica chamada de encarnação — Usava-se, por exemplo, uma camada de gesso sobre a madeira, buscando a textura e a tonalidade da pele verdadeira, e contas de vidro nos olhos. Era uma busca pelo realismo. Dizia-se que a peça era “esculpida e encarnada”, sendo que encarnação era a técnica usada, de onde teria vindo a expressão conhecida até os dias de hoje.
Espero que tenha contribuído.
Não sei se estou contando uma novidade, mas, consta que encarnação era uma técnica, ou conjunto de técnicas, empegadas por escultores no século XIX e, esculpido e encarnado era a expressão usada para indicar a finalização da obra. Fonte:
Segundo o professor de história da arte e especialista em arte barroca Elmer Corrêa Barbosa, que lecionou durante 40 anos na PUC, era um período pós-barroco, em que os artistas buscavam uma aproximação das imagens religiosas da figura humana, através de uma técnica chamada de encarnação. Usava-se, por exemplo, uma camada de gesso sobre a madeira, buscando a textura e a tonalidade da pele verdadeira, e contas de vidro nos olhos. Era uma busca pelo realismo. Dizia-se que a peça era “esculpida e encarnada”, de onde veio inclusive uma expressão muito conhecida até os dias de hoje.
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