sábado, 8 de maio de 2021

A chacina e a carne humana

Várias fontes etimológicas afirmam que a palavra chacina, sem a atual conotação dominante de massacre de seres humanos, proveio da expressão do latim vulgar *caro siccina, em referência à carne-seca. 

Também em nossa língua chacina significa carne de porco e de outros animais salgada ou ressecada. No espanhol, cecina, com a mesma origem etimológica, possui apenas o significado culinário. Na língua galega, ocorre o mesmo com o termo chacina.

O ato de chacinar, isto é, abater e esquartejar porcos ou bois, permitiu a associação entre chacina e homicídio em massa. Parece ser uma transposição exclusiva em língua portuguesa. No Brasil, há vários exemplos em textos jornalísticos a partir dos primeiros anos do século XX, o que revela a percepção da extrema crueldade desse crime.


domingo, 11 de abril de 2021

Com quantas pessoas se faz uma aglomeração?

Uma aglomeração se caracteriza não tanto pela quantidade do que se junta, mas pela própria dinâmica em jogo: reunião de pessoas e junção de coisas.

No latim, glomus significa "novelo" (amontoado de fios). Com quantos fios se tem um novelo? Mesmo pequeno, um novelo é um novelo.

Também a aglomeração de pessoas não supõe necessariamente uma grande multidão.

A raiz indo-europeia *ghodh, que remete às ideias de "união" e "ligação", e está na base longínqua da palavra "aglomeração", refere-se a um ajuste de duas ou mais realidades. O novelo, na verdade, não é um amontoado qualquer. Tem uma lógica interna.

Igualmente no caso da reunião de várias pessoas, existe sempre, em tese, uma razão para agrupá-las. E esta razão tem de ser uma boa razão. Não à toa aquela raiz indo-europeia *ghodh leva ao inglês good. Toda união será adequada e justa, se estiver em sintonia com objetivos bons.


Se a aglomeração, com uma quantidade grande ou pequena de pessoas, for prejudicial por algum motivo, será melhor manter o distanciamento físico. Lembrando que, mesmo assim, é possível unir as pessoas virtualmente.

quarta-feira, 31 de março de 2021

Ponha essa máscara!

As máscaras expressam o que nossos rostos nem sempre podem mostrar. Foram usadas nos espetáculos dramáticos e nas festas religiosas do passado remoto. Continuam vivas nos bailes carnavalescos. Mas também cumprem finalidades mais pragmáticas, como no caso dos médicos e outros profissionais da saúde, a fim de prevenir contágios e infecções.
Na Europa da primeira metade do século XX, a máscara era item necessário contra os gases tóxicos usados como arma de guerra. Os militares e a população civil a utilizavam. Hoje, outro tipo de guerra nos obriga a incluir a máscara como parte do vestuário cotidiano. Na atual pandemia, todos precisamos usá-la para nos defender do inimigo comum, o SARS-CoV-2.

A palavra “máscara” chegou às línguas europeias proveniente do árabe maskahrah (“bufão”, “palhaço”, “zombeteiro”). A ênfase recaía, portanto, no aspecto teatral e lúdico, com um colorido nem sempre positivo. Daí, possivelmente, a ideia de que é preciso “desmascarar” alguém.

O termo árabe ganhou espaço para designar esse objeto que cobre o rosto e cria uma "segunda face", e foi sendo assimilado pelo italiano (maschera), pelo francês (masque), pelo inglês (mask), pelo espanhol (máscara).
Contudo, os etimólogos oferecem outras hipóteses. A palavra pode ter vindo do catalão mascarat ("disfarçado"), ou de uma fantasiosa combinação de palavras espanholas "más que la cara", que resultou em máscara, "algo mais do que a cara" de quem a põe.
A ampliação semântica, ao longo de séculos, foi incluindo na lista de acepções significados antigos e modernos, conforme vimos acima.

Incluiu a máscara mortuária, feita de cera ou gesso sobre o rosto do recém-falecido, para guardar as feições da pessoa com o máximo de fidelidade. Incluiu a máscara facial (uma bela redundância!), procedimento estético. E a máscara de mergulho, voltada para a prática da pesca submarina.

Lembremos ainda que no mundo dos super-heróis e seus arqui-inimigos as máscaras têm por função caracterizar melhor e ao mesmo tempo proteger a verdadeira identidade dos personagens. Nas aventuras do anti-herói Máskara, interpretado por Jim Carrey, a máscara supera esse papel e torna-se ela mesma a grande protagonista.

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Agulha agulhinha

Perguntaram-me, a propósito da seringa, onde estaria a agulha?

No latim, acus significava "agulha", e daí a penetrante palavra "acupuntura". Em termos psicológicos, acus produziu "acuidade", que remete à penetração e agudeza da mente, à sutileza e finura do raciocínio.

Especula-se que em latim vulgar tínhamos a palavra acūcla, diminutivo de acus, que resultou em agulla (português arcaico). Toda agulha seria, na verdade, agulhinha.

domingo, 3 de janeiro de 2021

O canto da seringa

A etimologia da palavra seringa está associada à forma tubular. Na mitologia grega, Syrinx foi a ninfa que, para escapar do assédio sexual do deus Pã, pediu às suas irmãs que a transformassem num caniço. Este caniço, nas mãos de Pã, é instrumento musical que exprime uma voz cheia de tristeza e melancolia.Numa peça para flauta que Debussy compôs e se intitula Syrinx, podemos ouvir essa voz.

Seringa, na língua portuguesa do século XVI, referia-se justamente à flauta de Pã. A ortografia da palavra ainda apresentou oscilações: siringa (século XVII), xeringa e xiringa (século XVIII), sirínga (século XIX). Do ponto vista semântico, também ganhou novas possibilidades, das quais a mais conhecida e atual é a de bomba portátil usada para aplicar injeções ou retirar líquidos do organismo.