quinta-feira, 29 de julho de 2010

Tênis: uma sacada histórica

Um leitor deste blog pergunta a origem da palavra "tênis", o esporte.

Tennis, em inglês, procede do verbo francês no modo imperativo tenez, "segurai", "pegai", "tomai" (a bola). No jogo da pela, ancestral do tênis, quem ia sacar gritava esse aviso, desafiando o adversário.

No livro Tennis: a cultural history, de Heiner Gillmeister, o autor alemão lembra que no futebol medieval, violento jogo entre duas equipes, em que socos, pontapés e rasteiras eram o mais natural, os times em confronto pertenciam a cidades ou a feudos diferentes, em alegre competição (geralmente em feriados religiosos), e esse grito "tenez!" referia-se aos tenants, "arrendatários". O jogador dizia aos seus colegas de time: "segurai!" (a nossa posição), "defendei!" (a nossa terra). Por isso o verbo no plural, "segurai vós".

O tênis medieval, uma alternativa não violenta ao futebol da época, teria adotado a mesma palavra, mas de maneira impensada. O jogador de tênis dizia ao seu adversário o que, no outro jogo, era uma forma de estimular os companheiros do mesmo time.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Onde fica beleléu?

Um leitor deste blog perguntou de onde vem a palavra "beleléu", associada à expressão "ir pro beleléu".
A palavra é do banto, e era empregada pelos escravos negros para dizer que alguém tinha ido para a região dos mortos. "Ir para o beleléu" é morrer, ou, eufemisticamente, desaparecer. Aclimatando-se no Brasil, ganhou outras conotações: quem vai para o beleléu é porque fracassou; algo que se estraga também foi para o beleléu.
Na Bahia, usa-se em sentido mais drástico: mandar alguém para o beleléu é querer que vá para o inferno.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Como calcular a multidão?

Recebi essa mensagem de um leitor deste blog:

"Olá! Parabéns pelo blog, a ideia é ótima. Eu gostaria de saber o significado etimológico de 'multidão'. Obrigado! Paulo."
Paulo, "multidão" vem do latim multitudo, "grande número", com base no advérbio multus. A noção de que há uma abundância de seres (sejam moscas, bois ou pessoas) é o que se quer designar.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Dia dos Avós

Em latim, avus, "avô", o pai do pai, foi usado mais tarde no diminutivo, *aviolus. Daí veio abuelo, em espanhol. Em português, as formas "vovô" e "vovó" manifestam o carinho da família pelos mais velhos. O sentido original da palavra é "protetor" e "predileto". Os avós são uma segurança a mais para as crianças, e recebem de seus netos especial carinho.

No latim clássico, havia outro diminutivo, avunculus. Esse "avozinho" era o tio materno. O magnus avunculus era o irmão da avó. Daí veio oncle ("tio", em francês) e uncle (em inglês).

Hoje, Dia dos Avós. Um bom motivo para cantar em sua homenagem!

domingo, 25 de julho de 2010

Nos tempos da Vila Talarico

Cris, leitora deste blog, pergunta qual a origem da palavra "talarico", em referência a um bairro da cidade de São Paulo chamado Vila Talarico.

A palavra corresponde a um sobrenome italiano. Giuseppe Talarico, descendente de mestres de obras da Itália, chegou ao Brasil no século XIX e atuou como construtor na cidade de São Paulo. É lembrado como um dos responsáveis pela criação do bairro que levou o seu nome — justa homenagem.

Giuseppe foi pai do político José Gomes Talarico, que conta um pouco dessa história numa entrevista ao Projeto Memória do Movimento Estudantil, em 2004:

"Meu pai foi um grande construtor em São Paulo, que introduziu o cimento armado com vigas de aço e ferro. Foi também quem introduziu o estuque, que até então não era feito. Inclusive, no ano de 1925, ele adquiriu uma grande área em São Paulo, no subúrbio, além da Penha, Vila Matilde e Vila Esperança. Vocês devem conhecer esses subúrbios, porque a Escola de Samba Nenê da Vila Matilde é ali — daí a denominação: Vila Talarico." (cf. http://www.mme.org.br/)

O sobrenome Talarico provavelmente deriva do nome bárbaro "Atalarico", muito popular na Calábria sob o reinado ostrogodo.

sábado, 24 de julho de 2010

Qual é a da qualidade?

Amanda, leitora deste blog, quer saber a origem da palavra "qualidade". Procede do latim qualitatem, termo criado por Cícero quando traduzia Platão. A base é o pronome qualis, "de que natureza". Tem a ver com a pergunta "qual?".

A qualidade, filosoficamente falando, nos remete às características e propriedades de uma realidade: disposições, capacidades, incapacidades, formas etc.

A noção de "qualidade de vida" surgiu na década de 1940, quando o mundo sofria com uma segunda guerra mundial. Já na década de 1930, passou-se a usar a expressão "controle de qualidade".

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Ter e vencer o medo

Livros que nos ajudem a vencer o medo de existir e outros medos. Como este, de Luc Ferry, Vencer os medos (WMF Martins Fontes, 2008).

Mas de onde vêm o medo e a palavra "medo"?

Do latim metus, que estava relacionado ao verbo metuere ("ter medo"). Este medo, para os antigos, associava-se ao temor religioso e ao entusiasmo poético.

Em ambos os casos, um temor, um receio de entrar em contato com algo formidável, transcendente, que levava ao êxtase. Não se tratava de covardia ou de natural apreensão diante do perigo, mas de um sentimento em que se misturavam perplexidade, inquietação, admiração, euforia perante algo grandioso, sobre o qual não se tem controle.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

De onde vêm os monstros?

O filme Onde vivem os monstros (2009) encena as carências, os ciúmes, as raivas, os medos e o amor que tornam tão delicado e difícil viver e conviver. Somos seres solitários e amáveis, incompreensíveis.
A palavra "monstro" provém do latim monstrum, significando "portento", "sinal profético". O monstruoso demonstra algo. É uma advertência (tem a ver com o verbo latino monere), seja da parte do bem ou do mal.

Esta amplitude se perdeu. Os monstros são vistos apenas como realidades anormais, deformadas, estranhas, ameaçadoras. Perdeu-se (e a etimologia nos faz lembrar) o caráter sagrado dos monstros...

domingo, 18 de julho de 2010

Cavanhaque unânime

E já que falamos em bigode, de onde vem "cavanhaque"? Aqui não há controvérsia. Os etimólogos são unânimes: devemos a palavra ao modelo de barba que o general francês Louis Eugène Cavaignac (1802-1857) gostava de usar.

O ilustre militar foi governador-geral da Argélia e ministro da guerra na França. E o termo que deu origem ao sobrenome, cavaignac, significava "lugar cavado", "buraco".

sábado, 17 de julho de 2010

O que veio primeiro, o bigode ou a bigorna?

Perguntaram-me qual a origem de duas palavras próximas dentro do dicionário, mas de histórias certamente distantes entre si: "bigode" e "bigorna".

"Bigorna" remete ao latim bicornia, plural de bicorne, o que tem "duas pontas" ou "dois chifres", pois a peça de ferro sobre a qual se forjam metais tem esse formato.
Já "bigode", vários autores admitem, mesmo não se tendo absoluta certeza, que veio do espanhol bigote, e este da antiga expressão germânica "bî Got", "por Deus". Os espanhóis possivelmente associavam a exclamação aos bigodudos alemães. Mais tarde, a palavra designaria os pelos faciais localizados entre o nariz e o lábio superior de qualquer ser humano.

Outra hipótese é que "bigode" foi precedida por bigoth, e antes ainda pela palavra vigoth, do latim medieval, para designar indivíduo do povo visigodo, que ocupou a Península Ibérica, entre os séculos V e VIII. A palavra teria passado a significar essa parte da barba que os visigodos cultivavam, como se vê na imagem abaixo, do rei Alarico II.

terça-feira, 13 de julho de 2010

As pegadas do chato de galocha

Meu amigo de leituras e preocupações pedagógicas, Prof. João Paulo me perguntou sobre a origem da expressão "chato de galocha", aquele indivíduo inconveniente e maçante, hoje em dia conhecido como "mala sem alça".

A palavra "galocha" é tradução do francês galoche, calçado de borracha que se usa sobre outro para protegê-lo da umidade, da chuva, da lama. Provém, segundo alguns estudiosos, do latim gallica, calçado usado pelos gauleses.

Outros preferem referir-se ao latim medieval calopedia, correspondente ao grego kalopous, espécie de sapato com sola de madeira para proteger os pés da umidade.

Quanto à expressão "chato de galocha", imagino que seja aquela pessoa que, mesmo num dia de chuva, põe a galocha e vem exercitar sua "chatura". No Tratado geral dos chatos, de Guilherme Figueiredo, obra que se encontra esgotada (todos os chatos a compraram!), os chatos estão identificados, catalogados e classificados em detalhe. O chato de galocha é o chato pra chuchu que saiu do mundo agrário e ingressou na era industrial.

Neste livro há uma viagem etimológica em torno da palavra "chato", explicando que o termo grego platus designava o "importuno", o "aborrecido" — Platão já entrava na categoria dos chatos filosóficos...

domingo, 11 de julho de 2010

Laranja ingênua... ou não

Uma visitante-leitora deste blog, Maria Lídia, fez uma pergunta pelo formspring — quer saber qual a origem da palavra "laranja", no sentido de falsário que permite o uso de seu nome para a prática de fraudes financeiras e comerciais.
A palavra, originariamente, vem do persa narang, derivado do sânscrito naranga. O sentido figurado de "testa de ferro" ou de "inocente útil" surgiu na década de 1970. Entre várias versões explicativas, duas delas são:

- tal como acontece com a fruta, do tolo laranja sugam e extraem tudo: fica só o bagaço.

- em países em que se proibia o consumo de álcool em público, injetava-se bebida em laranjas para iludir a fiscalização. O laranja é quem esconde os verdadeiros culpados.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Valeu!

Meu amigo Elie Chadarevian perguntou-me qual a etimologia da palavra "valeu". Suponho que esteja pensando na expressão coloquial: "Valeu!"

Elie, o verbo "valer" provém do latim valere, "ser valente", "ter força". "Valoroso" é aquele que tem força, valor. Entre os romanos, usava-se o imperativo do verbo latino valere como despedida. Os romanos diziam vale para desejar saúde e vida longa aos amigos. Uma forma de dizer "adeus", desejando ao outro o melhor.

Hoje, entre nós, podemos empregar "valeu!" como exclamação agradecida — "Valeu, cara, nem sei como te agradecer!" —, ou como uma pergunta para saber se tudo correu bem (implícito o "valeu a pena").

Valeu?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Leitura arcaica

Etimologia é leitura arcaica. Por associação, lembro-me do livro Lavoura arcaica, de Raduan Nassar. Uma história de filho pródigo recontada. A relação com a terra, com o plantio, e a mentalidade patriarcal fortemente arraigada, e os anseios, e os medos e os silêncios, uma obra-prima.

A palavra "lavoura" remete à ideia de trabalho árduo, paciente. Lavrar, semear, colher são trabalhos laboriosos. No século XIII encontramos lauoria e laboira. Supõe-se que houve no latim vulgar o termo laboria, que teria partido do mais antigo labor, "sofrimento", "fadiga".

terça-feira, 6 de julho de 2010

Déjà vu no futebol...

   Programa Palavras e Origens - 4

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Parabéns, Mia!

Hoje, aniversário do escritor moçambicano Mia Couto. Seus contos e romances têm uma linguagem que muito deve a Guimarães Rosa. Mas Mia tem estilo próprio, suas próprias "brincriações" verbais.

Seu primeiro romance, Terra sonâmbula, mostra o país maculado pela guerra, pelo sangue. O sonambulismo de uma terra sofrida em que ainda se busca poesia. Onde houver poetas haverá sobrevivência do humano. Mia faz proesia.

A palavra "sonâmbulo" chegou-nos pelo francês somnambule — pessoa que anda e fala enquanto dorme. Remete ao latim somnus, "sono" + ambulus, do verbo ambulare, "andar".

sábado, 3 de julho de 2010

Derrota também faz parte do caminho

A derrota do time brasileiro, ontem, jogando contra a Holanda, entristeceu o país. Nas últimas 60 partidas da seleção, todas sob o comando do técnico Dunga, tivemos 42 vitórias, 12 empates e 6 derrotas. Perder durante a Copa do Mundo, porém, é fatal. E mais doloroso.
A palavra "derrota" vem do francês dérouter, que é "tirar (alguém) da rota", empurrar para fora do caminho, fazer o inimigo fugir em debandada. Derrotar uma tropa, um time ou uma pessoa é jogar esse adversário para escanteio!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Dia do Bombeiro

Hoje se comemora o Dia do bombeiro brasileiro. Em inglês, o bombeiro é chamado o "homem do fogo", fireman, o profissional que elimina o fogo, no caso, embora no romance de Ray Bradbury, Fahrenheit 451, haja um trocadilho: fireman é o responsável por queimar os livros.

Já em língua portuguesa, a palavra "bombeiro" deriva de "bomba", máquina para fazer fluir a água em determinada direção. O bombeiro sabe bombear a água sobre as chamas. "Bomba", por sua vez, é palavra onomatopaica. Bombear faz barulho. No grego, bómbos já remetia a "barulho", em particular ao "ribombo do trovão".

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Agora é Holanda

Oficialmente, Holanda, a terra dos moinhos e das tulipas, não é o nome correto do país contra o qual o Brasil vai jogar amanhã, em etapa decisiva da Copa do Mundo. Deveria ser, talvez, Neerlândia, ou Nederlândia. Constitui a maior parte dos Países Baixos, em que se incluem Bélgica e Luxemburgo. Trata-se do famoso Benelux (reunindo, em inglês, "BElgium", "NEtherlands" e "LUXembourg").

A rigor, teríamos de chamar Holanda de Países Baixos, traduzindo o nome do país em neerlandês: Nederlanden (Neder, "baixo" + Landen, "país"). Os Países Baixos assim se chamam porque um quarto do seu território encontra-se abaixo do nível do mar.

O nome "Holanda" corresponde a duas províncias das que compõem o país. Há a Holanda do Sul (a capital é Haia e a principal cidade é Rotterdam, onde nasceu Erasmo, autor de O elogio da loucura) e Holanda do Norte, cuja cidade mais importante é Amsterdã, capital do país.

"Holanda" pode ter vindo de Holt-Land, "terra das madeiras", porque a região teria sido um dia coberta de árvores. Outra possibilidade é que remeta a Hol-Land, em que Hol, "buraco", "baixo", em neerlandês, levaria de novo ao significado original de "terra funda" ou "terra baixa".