segunda-feira, 31 de março de 2014

Golpe dói

Todo golpe dói. Golpe de esperteza (um ardil praticado por um golpista, como no conto do vigário ou no golpe do baú), golpe de luta, golpe de ar ou golpe militar. E de onde vem o golpe, mesmo que seja um golpe de mestre?

No latim vulgar, *colpus indicava um movimento de força, mais especificamente uma bofetada ou um murro no rosto, remetendo ao latim clássico colaphus, que proveio do grego kólaphos.

Em francês, temos a palavra coup, de mil e uma utilidades e desdobramentos. Além do coup d'État, "golpe de Estado" (tomada ilegal do poder governamental pela força), uma bofetada na democracia, temos, entre vários exemplos: coup de grâce ("golpe de misericórdia", ou "tiro de misericórdia", que consiste em dar um ponto final ao sofrimento de um moribundo), e a palavra coupon, o nosso "cupom", folha ou cartão que se pode destacar mediante um coup, isto é, um movimento que implica certa força.

terça-feira, 18 de março de 2014

Um olhar para a Ucrânia

A história da Ucrânia, especialmente nos últimos 100 anos, tem sido marcada por grande instabilidade política, invasões e chacinas, por indefinições, conflitos, crises econômicas, lutas terríveis. A liberdade do povo em constante perigo e muitas vezes suprimida. Lembremos que a família Lispector foge de lá para o Brasil (sorte nossa porque nos trouxe Clarice).

Terá o nome do país, do ponto de vista etimológico, algo a nos dizer a respeito dessa acidentada história?

Indo o mais longe possível, o nome Ucrânia vai nos levar à raiz indo-europeia *krei, que reporta à ideia de "cortar". A palavra grega krínein está em relação com essa raiz e significa "decidir". Toda decisão implica cisão, corte, rompimento. Aparentada, no latim, temos a palavra cernere ("discernir"): todo discernimento provoca definições e delimitações.
Bandeira da Ucrânia
O termo eslavo krajina (também "descendente" da raiz *krei) refere-se à fronteira de um país ou a uma região delimitada. Para que se defina uma região é preciso fazer um corte, definir que até aqui é tal coisa e que a partir daqui é outra coisa.

No antigo polonês, por volta do século XVI, Ukrajina referia-se a territórios que coincidem, em parte, com a atual Ucrânia. Mas foi somente no século XIX que os habitantes da região assumiram o nome oficialmente, não se referindo a um território delimitado em geral, mas ao seu país mesmo. De fato, em ucraniano moderno, країна (Україна é Ucrânia nesta língua) significa justamente isso: país. Indica justamente esse desejo: soberania.

sábado, 15 de março de 2014

Ansiedade em qualquer idade

Entre as doenças candidatas a definirem o perfil patológico do século XXI está a ansiedade. Livros com essa palavra tendem a ser ansiosamente comprados. Esperamos com ansiedade que nos digam, o mais rápido possível, o que fazer para não ficarmos ansiosos... Sentimos a ansiedade presente em toda parte e em gente de todas as idades.

Um piadista me dizia outro dia: "Se você não tem ansiedade provavelmente há algo de muito errado com a sua saúde!". Mas a palavra, tão frequente hoje, de hoje não é. O poeta latino Ovídio (43 a.C. - 17 ou 18 d.C.) conhecia a anxietas animi, a preocupação profunda e angustiante, que torna  a alma pesada... e a vida mais atrapalhada do que já é.

No latim, anxietas remete ao verbo angere: "apertar", "espremer". A ansiedade provoca um aperto interior. A mente se sente esprimida. O coração comprimido. Dores por dentro e por fora se multiplicam. E o motivo, em geral, tem a ver com as incertezas do futuro. Ficamos ansiosos quando antevemos e antecipamos os maiores problemas. Inclusive aqueles que são gerados pela própria ansiedade!

Remontando à raiz indo-europeia *angh-, vamos encontrar a origem das noções físicas e anímicas relacionadas a este cúmulo de sofrimentos. No latim, as angustiae são os desfiladeiros, que nos deixam nervosos só de imaginar... E as aflições morais estão na mesma categoria do mundo estreito e sufocante.

É por isso que o melhor mesmo é relaxar... No latim, relaxare indicava o ato de soltar, livrar alguém da dor.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Os garis estão chegando

Coletar e remover o lixo urbano sempre foi um sério problema. Quem quiser conhecer um pouco dessa história, leia o interessante livro do professor Emílio Maciel Eigenheer - Lixo: a limpeza urbana através dos tempos.

No Brasil do século XIX, o trabalho literalmente sujo era feito pelos escravos com menos status. Era comum ver "cabungueiros" (de kibungu, palavra do idioma quimbundo que significava "latrina") equilibrando sobre as cabeças, em tubos ou barris, o lixo das casas (incluindo excrementos). Sua tarefa era jogar esse lixo em lugares distantes. Todos os dias!

O problema do lixo se tornou especialmente grave no Rio de Janeiro daqueles tempos. À medida que a capital do império crescia, mais sujeira se produzia. As ruas, por exemplo, estavam empestadas com a quantidade imensa de estrume que os cavalos (meios de transporte público e privado da época) deixavam pelo caminho. A vida dos pedestres era uma... miséria! (Faça os cálculos: um cavalo produz cerca de 10 quilos de fezes por dia...)

Entre as tentativas de solução, o Ministério Imperial, em 1876, contratou a Alexis Gary Cia., empresa especializada em limpeza urbana. Seu dono, o francês Pierre Alexis Gary, levava varredores uniformizados pelas ruas cariocas para realizarem o ingrato mas indispensável serviço. A "turma do Gary" fez sucesso. Em pouco tempo, o povão começou a chamar os varredores de garis.