domingo, 24 de abril de 2011

Um chute etimológico

Nada contra os chutes etimológicos. Fazem a alegria da torcida linguística, trazem tempero para a discussão, são o esporte preferido dos amadores, exasperam os cientistas, estimulam a imaginação.

Um chute de Luis Fernando Verissimo, em sua coluna de hoje no Estado de S.Paulo: "Aquela 'pasta' curta e oca que os italianos chamam de 'pene' tem este nome porque lembra o pênis."

Descartemos a analogia, embora também possa se tratar de uma piada intencional do Verissimo, e não um simples chute. O certo é que a massa em questão (penne, em italiano) chama-se assim pela semelhança com a pena das aves.

Quanto ao chute... tem algo de verdadeiro e pode levar ao gol numa outra investigação: em francês, pène (a lingueta da fechadura), segundo o filólogo Jean-Baptiste-Bonaventure Roquefort (1777-1834), prestigioso chutador... provinha do latim penis, associando-se o movimento da peça ao do órgão masculino.

E voltando ao penis em latim, tanto designava o pênis, como a cauda de um animal. Estando em jogo aí, nos dois casos, o verbo latino pendere, isto é, "pendurar".

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Colombo e seus canibais

Em meu blog sobre leitura, falei de um livro de Nestor de Holanda chamado Seja você um canibal, e surgiu a pergunta, entre amigos, sobre a origem dessa palavra.

A palavra "canibal" surgiu no espanhol, em 1492. É um neologismo de Cristóvão Colombo. Em seu diário, no mês de dezembro daquele ano, Colombo se refere aos índios do Caribe como caribales. Surgiu uma história de que eram ferozes e comiam carne humana.

Ao se fazer a transcrição dos manuscritos de Colombo, trocou-se o r pelo n. A forma "canibal" acabou se impondo, com o sentido de "antropófago". A palavra se firmou em português no século XVIII.

Canibalismo no Brasil, segundo a descrição de Hans Staden (1557).

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Homem com h e m

Recebi de Anápio Vichinheski Gebhardt uma consulta simples. Perguntou-me a origem etimológica de "homem". Acontece que a origem de palavra alguma é simples. Tudo o que diz respeito às origens é... original.

Há quem relacione "homem" (gênero humano) com humus, "terra", em latim. Se o marciano viria de Marte, o ser nascido no planeta Terra seria o "terroso", ou o "terráqueo" — o ser humano.

Uma das explicações etimológicas para "ninguém" tem a ver com "homem". Em latim, nemo estaria formada por ne (com sentido de negação) e hemo (forma arcaica de homo). Quando não há homem é porque não há ninguém.

Em inglês, a palavra man significa "ser humano", "homem". Segundo alguns etimólogos, está conectada à raiz indo-europeia *men-, "pensar". O homem (com sua mente mentadora) é o pensante por definição.

sábado, 9 de abril de 2011

O gume do ciúme

Ciúme dói. Corta o amor sem dó, sem razão, sem anestesia. Sofre o ciumento. E sofre quem vê a pessoa amada receber na pele o corte profundo do ciúme.

No latim vulgar teríamos *zelumen, proveniente do latim clássico zelus, cuja abertura semântica nos faz pensar numa proximidade confusa (e sugestiva) entre "zelo", "ciúme" e "cio", sempre com a presença do ardor, do fervor e do amor.

A palavra "zelote" reúne esses traços. Houve na história de Israel uma seita fanática assim denominada. Os zelotes, no primeiro século depois de Cristo, desencadearam a revolta da Judeia contra a ocupação romana. Não se viam como fanáticos, mas como zelosos, ciosos (algo de cio aqui também) seguidores da verdade, da religiosa e da pátria.

O ciúme corta e queima o ciumento. E o leva a um estado de contínua tensão/atenção/tesão. Os olhos apaixonados do ciumento espreitam. Em francês, jalousie ("ciúme") passou a designar também a persiana, através da qual o observador obcecado olha sem ser visto.

O romance La jalousie de Alain Robbe-Grillet (1922-2008), lançado em 1957, foi editado nos EUA certa vez, já nos anos 60, com uma capa que mostra ciúme e persiana associados.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Dia do Jornalista

Hoje, Dia Mundial da Saúde e Dia do Jornalista. Forçando a coincidência e o conceito de saúde, penso que uma sociedade saudável precisa de jornalistas que realizem bem o que a origem etimológica da palavra sugere.

Temos no vocabulário francês do século XVIII a palavra journalisme, que nos remete ao latim do início da Idade Média: diurnalis (advérbio, "diariamente"). A partir daí, uma pequena viagem semântica.

A palavra anglo-francesa jurnal, no século XIV, designava um livro que ficava nas igrejas, no qual se faziam registros dos serviços religiosos ali prestados. No século XVI, journal era um livro usado no comércio para registro de operações de compra e venda. No século seguinte, a palavra recebe mais um sentido, o de diário pessoal, em que alguém anota o que pensa e faz ao longo dos dias.

Bom jornalista, então, é quem, diariamente, registra o que acontece no mundo e na rua ao lado. Ele é um historiador do aqui e agora, sem perder de vista o passado. Um observador atento. Um comentarista arguto. Um entrevistador da realidade.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Marionetes livres

A palavra "marionete" é um galicismo. Vem do francês marionnette. A palavra já era usada no século XVII com naturalidade. Trata-se de um duplo diminutivo. Marionette é diminutivo de Marion, que é diminutivo de Marie. Uma outra possível tradução, com base na etimologia: mariazinhazinha.

As marionetes ganham vida e liberdade quando prometem expressividade. São pequenas criaturas à espera do momento certo para andar, falar, gesticular, correr o mundo.

A marionete acima nasceu das mãos criativas de Ana Lasevicius, e nos olha com nossos próprios olhos!

domingo, 3 de abril de 2011

Vejo daqui uma quaresmeira

O período de quarenta dias entre a Quarta-feira de Cinzas e a Páscoa, na tradição católica, chama-se Quaresma. Um amigo perguntou-me no domingo passado qual a etimologia dessa palavra. Vou reencontrá-lo hoje, e preciso dar uma resposta.
O povo escutava, na linguagem litúrgica, por volta do século VI, a expressão latina "quadragesima dies", em referência àqueles quarenta dias de penitência. E, em virtude talvez da fome que sentiam por praticarem com afinco o jejum e a abstinência, os fiéis engoliram alguns sons, produzindo "quaresma" (em português), carême (em francês), quaresima (em italiano), cuaresma (em espanhol).

As quaresmeiras são chamadas assim porque sua floração coincide com o tempo da Quaresma, e o roxo que ostentam é também a cor que simboliza o período de penitência na Igreja.